São Paulo – Depois das bebidas alcoólicas, do tabaco e do açúcar, a carne pode virar o novo alvo dos chamados “impostos do pecado”.
O alerta é de um relatório recente da FAIRR, uma iniciativa da Coller Capital para monitorar riscos do setor de pecuária.
O argumento é que governos ao redor do planeta estão tendo dificuldades para equilibrar as contas, e uma saída atraente para gerar receita é taxar produtos prejudiciais à saúde e/ou ao meio ambiente.
Mais de 180 países hoje já impõe um imposto sobre tabaco, 60 jurisdições taxam o carbono e pelo menos 25 taxam o açúcar, segundo o relatório.
A carne pode se tornar a próxima da lista por causa de um entendimento cada vez maior dos danos que ela pode causar e da sua escala.
O consumo total de carne quintuplicou no mundo entre 1992 e 2016, puxado pelo crescimento populacional somado com a queda da pobreza e o surgimento de uma nova classe média global.
Na Ásia, um dos motores deste crescimento, a estimativa é que haja um crescimento de 19% no consumo total de carne até 2025.
O aumento necessário da produção já foi associado a problemas como o aumento da resistência a antibióticos, desmatamento, poluição da água e perda de biodiversidade.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) estima que a criação pecuária responda por 14,5% do total das emissões de gases de efeito estufa.
É natural que este se torne um ponto de atenção para os 174 países que se comprometeram, pelo Acordo de Paris, a reduzir suas emissões para mitigar o problema das mudanças climáticas.
Além disso, um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2015 associou o consumo de carne processada a certos tipos de câncer.
O governo chinês já recomendou o corte no consumo de carne e a última pirâmide de nutrição divulgada pelo governo da Bélgica relegou as carnes processadas ao mesmo quadrante das junk foods.
Impostos relacionados à produção de carne já foram debatidos na Dinamarca, Alemanha e Suécia, apesar de não terem se convertido (ainda) em legislação.
Houve grande resistência dos setores afetados e é de se esperar que ela seria ainda maior no Brasil, um dos maiores produtores de carne do planeta.
Impactos
Há muitas evidências de que o aumento do custo via impostos foi bem-sucedido em reduzir o consumo de cigarro nas últimas décadas em grande parte do mundo.
Mais recentemente, isso também tem sido verificado com os impostos sobre refrigerantes e outras bebidas açucaradas criados no México e em algumas cidades americanas.
Uma das críticas comuns é que esta taxação é regressiva, afetando principalmente os mais pobres. O argumento é ainda mais forte no caso da carne, que apesar dos seus problemas tem claro valor nutritivo.
Mas também pode ser argumentado que eventualmente as doenças também acabam sendo mais comuns nessa faixa da população, que sofrem com o problema adicional de falta de tratamento.
A FAIRR nota que o hipotético imposto da carne ainda não é um “risco de curto prazo”, mas que já está trabalhando em alternativas com 57 investidores que controlam US$ 2,3 trilhões em ativos.
A ideia é pressionar 16 multinacionais do setor alimentício a blindar sua produção futura adotando medidas que incluem o maior uso de proteínas de base vegetal e o desenvolvimento de uma carne de laboratório o mais próxima possível do aspecto e do sabor da carne original.