Resíduo de cervejaria também ajuda os produtores a sobreviverem na atividade.
A cervejinha gelada apreciada pelos brasileiros ajudou produtores de leite a economizar em 2016, quando muitos pensaram em abandonar a atividade por não conseguirem bancar os custos de produção. O resíduo da cevada, matéria-prima das cervejarias, volta para o campo na forma de um ingrediente eficiente e barato para integrar a ração das vacas leiteiras. Na ponta do lápis, no ano passado, o subproduto se mostrou vantajoso, pois aliviou o bolso do produtor, que estava pagando caro pelos cereais.
Os estudos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) mostram que os preços dos concentrados, que representam 40% do custo de produção da pecuária leiteira, subiram 13,8% de janeiro a novembro do ano passado, impulsionados pela alta das cotações dos grãos, principalmente do milho. Para quem não lembra, o cereal bateu recordes de preços, forçando os pecuaristas a buscar alternativas mais baratas.
A Fazenda Real, que fica em Cabrália Paulista (SP), encontrou uma solução misturando o resíduo de cervejaria na ração. O gerente da propriedade, Laurival Santos Freitas, afirma que os custos foram reduzidos em 25%. “É o que tem segurado a dieta dos animais”, explica. O preço compensou: o funcionário da fazenda afirma que, no final do ano passado, comprou a tonelada da cevada úmida por, em média, R$ 120, sem frete. Já a tonelada de farelo de milho custava em torno de R$ 750 e a de soja R$ 1.350.
Outro ponto importante é que a fazenda consegue ensilar 2.000 toneladas de cevada, o que garante preços ainda mais baratos e o abastecimento o ano todo, mesmo em épocas quando o brasileiro bebe menos cerveja, como no inverno.
Além disso, houve incremento na produção e Laurival atribui o resultado à cevada. Cada uma das 450 vacas da fazenda está dando cerca de 5 litros de leite a mais na comparação com o ano passado. Juntas, fizeram a captação saltar de cerca de 7.500 para 10.600 litros por dia. “Se tiramos a cevada bruscamente, elas ficam estressadas e ‘protestam’ dando menos leite, algo em torno de 10% a menos logo no dia seguinte”, diz Laurival.
Ele explica que essa reação acontece porque os animais realmente adoram a “cerveja sólida”. Isso porque ela vem um pouco úmida, o que facilita a digestão de outros farelos mais secos, além de deixar o resíduo mais gostoso. Mas não pense que elas ficam bêbadas: o líquido não é fermentado, logo, não é alcoólico. Elas só ficam mais gordinhas, iguais aos beberrões humanos, pois acabam comendo mais a ração.
A sobra do processo industrial da bebida também é boa fonte de energia, podendo representar até um terço da mistura, sem perder a qualidade e produtividade do leite, já que tem de 30% a 40% de matéria seca. Tem ainda um excelente aproveitamento em termos de fermentação ruminal, o que garante energia aos bovinos através de seus ácidos graxos voláteis.
O resíduo garante também uma fermentação mais estável, mantendo o pH ruminal em níveis mais favoráveis para o bom funcionamento da digestão bovina. É rico em proteína bruta não degradável no rúmen, com cerca de 55% da composição, aumentando a eficiência da alimentação.
O zootecnista Sérgio Roberto, que atende clientes da Cevatrans, empresa que comercializa o resíduo, diz que o uso do produto é muito oportuno, uma vez que nos primeiros 70 dias do pós-parto a exigência desse tipo de proteína aumenta em até 45%. Por isso, melhora o desempenho produtivo nesse período.
Balanço energético
E mais importante: ajuda ainda a controlar o desafio do balanço energético negativo que a vaca estará enfrentando nesse período, explica o zootecnista Sérgio Roberto.
Entretanto, há um limite para incorporar a cevada à ração, pois ela não substitui totalmente os grãos, só reduz sua dependência. “A cevada não pode substituir 100% da base concentrada da dieta de vacas leiteiras, principalmente de alta produção, por conta de seu alto teor de fibras. Se tirar os grãos, há deficiência energética”, explica Sérgio.
Se para os grandes a cevada já ajuda a continuar na pecuária leiteira, para os pequenos produtores a cevada significa resistência. O pequeno produtor João Bueno, de Natividade da Serra (SP), só não desistiu de produzir leite por causa da cevada. “Se não fosse isso, não teria condições de continuar. Com o milho custando mais de R$ 60 a saca aqui na região, eu ia desistir. Tenho de fazer conta de tudo, para tirar algum lucro. Se não faço isso, por ser pequeno produtor, eu deixo a atividade”, diz João.
Por pouco, suas 15 vacas girolando não foram para o brejo. “A seca foi muito brava em 2016. O pasto não vingou e, para minhas ‘bichinhas’ não morrerem, incrementei a dieta delas com cevada, que é bem mais barata que o milho e ainda ajuda a aumentar a quantidade de leite”, explica.
Ele também investiu no silo, com capacidade de 50 toneladas, para não correr mais riscos de ficar sem o subproduto. Mas em 2016 ele não teve dificuldades em comprar a cevada. “Acho que os gringos que vieram para as Olimpíadas ajudaram a beber a cerveja aqui no Brasil”, brinca.
Apesar das vantagens de adotar a cevada na alimentação bovina, o subproduto não vale para todo mundo. Certamente, o primeiro ponto é o preço. É preciso que seja mais barato que os produtos tradicionais, como os farelos de soja e milho, e também que outros subprodutos, como a polpa cítrica e o caroço de algodão. Outro ponto é observar o retorno do animal quanto à produtividade de leite. Se baixar a quantidade de litros, é preciso fazer a conta para checar se a redução dos custos compensa.
A logística é um fator importante a ser considerado, visto que o frete precisa compensar a escolha. Por isso, o ideal é que as fazendas estejam localizadas, em média, até 200 quilômetros de uma fábrica de cerveja.
Fonte: Globo Rural